5 de abril de 2016
17 de junho de 2007
16 de junho de 2007
Teatro carioca
Cena 1: Restaurante Ateliê Culinário do Odeon BR. Fim de semana. Chego ao restaurante vazio doido por um doce. Atravesso o salão cheio de funcionários com cara de tédio e me dirijo ao caixa. Sobre o caixa um simpático quadro-negro indica as especialidades. A lista de docinhos me dá esperanças apetitosas. Chocolatemente, escolho um brownie e pago. No balcão, estendo a ficha. A atendente faz cara de perplexa. "Quem te vendeu isso? Não tem". Reclama em voz alta com a caixa, que me oferece outras opções desde que eu pague a diferença.
Cena 2: Restaurante Ateliê Culinário do Odeon BR. De novo, fim de semana. Chego ao restaurante às 19h30, estourando de fome antes de um concerto. O Centro, vazio, não me oferece opções. Sento e ninguém parece me notar. Garçons zanzam sem rumo. Até que um deles me olha e vem em minha direção sem cardápio na mão. Antes da boa-noite, avisa, seco como um biscoito de polvilho azedo: "Fecha às 20h, tá?". OK, respondo envergonhado. De menu na mão, espero e espero. Um garçonete vem em minha direção: "Fecha às 20h, tá?". Já tinha visto esse filme e não me lembrava de ter pedido a reprise. Anuncio meu pedido: uma massa. "Não, nada quente sai mais a esta hora". Hmmmm. E um sanduíche? "Posso VER se a cozinha pode fazer".
Cena 3: Restaurante Pecado. Dia dos namorados, 22h50. Chego à casa, acompanhado, antes de um casal de amigos. Tínhamos reservado a mesa para quatro, às 23h. O menu degustação era especial para a data. Encontramos as portas de vidro fechadas com um vaso na passagem para evitar a entrada. Lá fora, um banco na calçada e ninguém para informar nada. Só nos restava esperar. Às 23h10, alguém abre a porta sem um pio. Entramos e tentamos avistar o maitre. Um senhor careca apressado nos olha, pergunta pela reserva. Depois some. O lugar onde estamos, em pé, não é dos melhores para se estar. Pena que seja o único disponível. Garçons disparam ao nosso redor como um cardume de tubarões famintos. Um deles nos pede licença para passar. Finalmente seguimos para a mesa e convocamos nossas degustações. Minutos depois um gerente (?) chega com apenas dois pratos na mão. Olha para nosso grupo impaciente, esperando que alguém se manifeste. "De quem é isso?", pergunta, sem deixar claro o que "isso" significava. Explicamos que o menu era para quatro e ele vira as costas e se manda com um arranque.
Cena 1: Restaurante Ateliê Culinário do Odeon BR. Fim de semana. Chego ao restaurante vazio doido por um doce. Atravesso o salão cheio de funcionários com cara de tédio e me dirijo ao caixa. Sobre o caixa um simpático quadro-negro indica as especialidades. A lista de docinhos me dá esperanças apetitosas. Chocolatemente, escolho um brownie e pago. No balcão, estendo a ficha. A atendente faz cara de perplexa. "Quem te vendeu isso? Não tem". Reclama em voz alta com a caixa, que me oferece outras opções desde que eu pague a diferença.
Cena 2: Restaurante Ateliê Culinário do Odeon BR. De novo, fim de semana. Chego ao restaurante às 19h30, estourando de fome antes de um concerto. O Centro, vazio, não me oferece opções. Sento e ninguém parece me notar. Garçons zanzam sem rumo. Até que um deles me olha e vem em minha direção sem cardápio na mão. Antes da boa-noite, avisa, seco como um biscoito de polvilho azedo: "Fecha às 20h, tá?". OK, respondo envergonhado. De menu na mão, espero e espero. Um garçonete vem em minha direção: "Fecha às 20h, tá?". Já tinha visto esse filme e não me lembrava de ter pedido a reprise. Anuncio meu pedido: uma massa. "Não, nada quente sai mais a esta hora". Hmmmm. E um sanduíche? "Posso VER se a cozinha pode fazer".
Cena 3: Restaurante Pecado. Dia dos namorados, 22h50. Chego à casa, acompanhado, antes de um casal de amigos. Tínhamos reservado a mesa para quatro, às 23h. O menu degustação era especial para a data. Encontramos as portas de vidro fechadas com um vaso na passagem para evitar a entrada. Lá fora, um banco na calçada e ninguém para informar nada. Só nos restava esperar. Às 23h10, alguém abre a porta sem um pio. Entramos e tentamos avistar o maitre. Um senhor careca apressado nos olha, pergunta pela reserva. Depois some. O lugar onde estamos, em pé, não é dos melhores para se estar. Pena que seja o único disponível. Garçons disparam ao nosso redor como um cardume de tubarões famintos. Um deles nos pede licença para passar. Finalmente seguimos para a mesa e convocamos nossas degustações. Minutos depois um gerente (?) chega com apenas dois pratos na mão. Olha para nosso grupo impaciente, esperando que alguém se manifeste. "De quem é isso?", pergunta, sem deixar claro o que "isso" significava. Explicamos que o menu era para quatro e ele vira as costas e se manda com um arranque.
9 de maio de 2007
Horta dos Jetsons
Não sou grande amigo das plantas como o Roberto Carlos. Mas ando numa fase Menino do Dedo Verde. Não por bons sentimentos cósmicos, apenas por hedonismo e vaidade, meus impulsos primários de bolso. É porque quero viver pra sempre. E neste projeto individual, conto com a ciência e os alimentos saudáveis.
Pois eis que surge o Aerogarden, amigo leitor. Imagine você: uma horta high-tech, sem terra, sem regador, sem luz natural nem pratinhos com água da dengue. E não desligue ainda. O aparato ainda é bonito, com um look futurista que a gente imaginava nos anos 80 ao romantizar os longínquos anos 2.000. Confira na foto e babe sobre seu prato de espaguete ao pesto.
Funciona como a cultura hidropônica, aquela que precisa apenas de água enriquecida com nutrientes como alimentos. As sementes ficam suspensas em frasquinhos sempre úmidos, ricos em comidas boas e iluminados full-time por uma abóbada alienígena. E o sistema eletrônico ainda avisa quanto dos nutrientes acabaram! Como o baby beef, as plantinhas têm uma vida de fartura - crescem duas vezes mais rápido do que se estivesse na terra - até serem assassinadas pela gente. E nem ofendemos os vegans com isso.
São manjericões, hortelãs, pimentas, morangos, tomates-cereja, nirás, oréganos e outras delícias que saem do sistema em qualquer estação direto pro prato. O preço: 150 doletas na Amazon. Meu aniversário acabou de passar. Aceito presente atrasado.
7 de abril de 2007
Que trazes pra mim?
Amargo deve ser o chocolate, não a vida. Sob este lema ridículo que acabo de inventar, anuncio duas comemorações que não serão: a Páscoa e meu aniversário, ambos a serem passados na redação. Quer delícia maior que essa rima?
Pois eu conto. É um pedaço de bom caminho capaz de trazer a redenção para estes acres próximos dias. O nome do objeto do desejo é Amedei. Mulato, quase pretinho retinto, o chocolate é a arma da Itália para combater os suíços e os belgas.
O Amedei é a prova que faltava desse processo inevitável que é a frescurização do chocolate. No bom sentido, eu digo. Porque até que os primeiros chocochatos se reproduzam, os chocolates top continuarão a ser curtidos como se deve: com tesão. O resto é sexo de meias.
Só de ler a respeito do Amedei na revista Olive, da BBC, minhas papilas cantam. O chocolate italiano é feito como os melhores vinhos, com blends de grãos de cacau vindos de uma mesma região (os crus). Os deles são comprados na cidade de Chuao, na Venezuela, tida como terra sagrada dos cacaueiros. Chato que só, Hugo Chávez destina os frutos com exclusividade a Alessio e Cecilia, os donos da Amedei. Alguma aí tem.
São 12 crus diferentes, dos mais escuros - nham, nham - ao chocolates ao leite. Todos com altas concentrações de cacau, of course, my horse. O mais conhecido deles leva o nome da cidade abençoada, Chuao. Não são nada baratinhos, chocólatra amigo. Na Amazon, uma barra - sim, eu disse uma - sai a 12 dólares.
Outra diferença para os demais chocolates de grife, incluindo todos-poderosos como Godiva e Valrhona, é que a Amedei fabrica suas barras do grão ao produto final. Os outros trapaceiam: compram matéria-prima já processada para misturar e finalizar.
Os italianos, que gostam de açúcar como os brasileiros, demoraram a aceitar as barrinhas crioulas da Amedei. Quem sabe um dia os brasileiros também vejam a luz e deixem estragar na gôndola drogas pesadas como o Sensação e o chocolate Leite Moça?
Aí você me pergunta: todo esse entusiasmo vem da experiência? Não, do cinismo. Em jornalismo, são comuns práticas como o "não vi e não gostei" e "não provei, mas tudo leva a crer que é ótimo". Nunca botei a mão num desses. Então, até que você, amigo de férias na Europa, me traga uma barrinha de Amedei, minha vida seguirá amarga. E infeliz Páscoa pra você também.
Amargo deve ser o chocolate, não a vida. Sob este lema ridículo que acabo de inventar, anuncio duas comemorações que não serão: a Páscoa e meu aniversário, ambos a serem passados na redação. Quer delícia maior que essa rima?
Pois eu conto. É um pedaço de bom caminho capaz de trazer a redenção para estes acres próximos dias. O nome do objeto do desejo é Amedei. Mulato, quase pretinho retinto, o chocolate é a arma da Itália para combater os suíços e os belgas.
O Amedei é a prova que faltava desse processo inevitável que é a frescurização do chocolate. No bom sentido, eu digo. Porque até que os primeiros chocochatos se reproduzam, os chocolates top continuarão a ser curtidos como se deve: com tesão. O resto é sexo de meias.
Só de ler a respeito do Amedei na revista Olive, da BBC, minhas papilas cantam. O chocolate italiano é feito como os melhores vinhos, com blends de grãos de cacau vindos de uma mesma região (os crus). Os deles são comprados na cidade de Chuao, na Venezuela, tida como terra sagrada dos cacaueiros. Chato que só, Hugo Chávez destina os frutos com exclusividade a Alessio e Cecilia, os donos da Amedei. Alguma aí tem.
São 12 crus diferentes, dos mais escuros - nham, nham - ao chocolates ao leite. Todos com altas concentrações de cacau, of course, my horse. O mais conhecido deles leva o nome da cidade abençoada, Chuao. Não são nada baratinhos, chocólatra amigo. Na Amazon, uma barra - sim, eu disse uma - sai a 12 dólares.
Outra diferença para os demais chocolates de grife, incluindo todos-poderosos como Godiva e Valrhona, é que a Amedei fabrica suas barras do grão ao produto final. Os outros trapaceiam: compram matéria-prima já processada para misturar e finalizar.
Os italianos, que gostam de açúcar como os brasileiros, demoraram a aceitar as barrinhas crioulas da Amedei. Quem sabe um dia os brasileiros também vejam a luz e deixem estragar na gôndola drogas pesadas como o Sensação e o chocolate Leite Moça?
Aí você me pergunta: todo esse entusiasmo vem da experiência? Não, do cinismo. Em jornalismo, são comuns práticas como o "não vi e não gostei" e "não provei, mas tudo leva a crer que é ótimo". Nunca botei a mão num desses. Então, até que você, amigo de férias na Europa, me traga uma barrinha de Amedei, minha vida seguirá amarga. E infeliz Páscoa pra você também.
23 de março de 2007
DR no Saint Honoré
Entrei ontem na terceira fase da minha relação com o Le Saint Honoré. Ops, quero dizer, L'Etoile. A vida mudou e o restaurante do hotel Le Meridien, agora Iberostar Copacabana, também. Ontem fui ver a quanto andava meu velho caso, agora de nome novo.
Tudo começou numa longínqua década de 90. Acastelado no topo daquele hotelão, o restaurante representava pra mim o olimpo da gastronomia. Um reino de pratos maravilhosos, códigos de etiqueta misteriosos, executivos em negociações milionárias, comemorações de casais apaixonados, menus de muitos cifrões e o som de um velho piano ao fundo.
Hoje, muitas jornadas culinárias depois, pouco restou desse sonho inocente. Sei que a alta gastronomia muitas vezes perde pra carne assada da minha empregada, que os casais à mesa nem sempre têm o que dizer, que executivos bochecham vinho e não se divertem e o pianista... bem, pianista de hotel toca Whitney Houston e a trilha do Fantasma da Ópera.
Entre esses dois momentos, algumas águas rolaram.
Minha primeira vez não foi das mais impactantes. Era tempo de Pierre Landry na cozinha. Tempo em que um cardápio como o do Saint Honoré me parecia um alfabeto secreto, que eu lia com temor religioso. Os salões, porém, não eram nada parecidos com o que minha imaginação construíra. Pareciam servir de cenário para um enredo sobre alta burguesia decadente, com mesas grandes demais, espaçadas, de toalhas pálidas e iluminação feia. Era tristonho.
O vigor da cozinha estava numa fase transitória. Tinha se diluído desde os tempos em que Paul Bocuse chegou com a gastronomia francesa de ponta, inédita no Rio, e depois passou o bastão para Laurent Suaudeau. Os dois orquestraram o auge daquela cozinha.
Laurent tentou educar o público carioca com uma gastronomia que tirava o máximo dos ingredientes frescos locais, como ele conta em seu belo livro "Cartas a um jovem chef". Lá, penou com uma clientela que estava acostumada a um pastiche de cozinha francesa. Quando experimentou implantar o pato ao tucupi, por exemplo, teve que disfarçar o nome do prato paraense para ludibriar gente ainda presa ao pato com laranja. O Pará não era chique.
Meu verdadeiro encontro com o Le Saint veio na (di)gestão de Dominique Oudin. O sotaque carregadô e a timidez do chef não favoreceram uma intimidade imediata. Mas a comida falou mais que nós dois juntos. Oudin era jovem - ainda é - e dono de uma pretensão suave. Pretendia fazer boa cozinha, mas sem a empáfia e arbitrariedade de outros chefs. Nunca vou me esquecer do siri mole que comi por lá, que ele serviu como se fosse dos mais corriqueiros. Uma epifania gustativa.
Só faltava que o ambiente fosse tão light quanto o ego do chef, o que só aconteceu em 2004. A reforma foi um sopro contemporâneo mais que necessário. Deixou as mesas e cadeiras mais leves, os talheres e louças menos pomposos, trouxe cor para as paredes e enxotou a Whitney Houston da trilha sonora. Enquanto isso, vieram festivais de queijos franceses, marias moles, caju com foie gras e filé de filhote. O romance estava no auge.
Quando tudo parecia caminhar para o casório, eis que chegam os capitalistas. Este ano, o hotel foi vendido e os novos donos espanhóis anunciaram o fim do Le Saint Honoré. Fiquei inconsolável. Para mim, fazia tanto sentido quanto destruir uma catedral para construir no lugar um shopping center. Quase peguei em coquetéis molotov quando soube que o restaurante, espanhol, teria nome francês. Coisas de marketês.
L'Etoile e eu nos conhecemos ontem. No look, ele estava igual. O cardápio, nem tanto. Agora, é levemente mediterrâneo, embora seu perfil ainda não esteja consolidado. Só terá sua cara definitiva depois de escolhido o consultor, que deverá ser um espanhol de peso, para representar a Espanha como Bocuse um dia representou a França. Lá pelo meio do ano, entra em obra com o resto do hotel. Mas não deve haver grandes modificações no décor, digo, decoración.
Por enquanto, a cozinha está nas mãos de Ana Ribeiro, que foi braço direito, esquerdo e quem sabe clavícula de Oudin. Ana é o lado mais bacana dessas mudanças, o triunfo do talento sobre o preconceito. Quer a prova? Então diga aí uma outra mulher negra chef de grande restaurante no Rio. Pois é, não tem.
Ana preparou: brocheta de atum vermelho em fricassê; salada de cavaquinha com ragout de aspargos e sorbet de tomate; carré de cordeiro em crosta de cevada e mousse de pesto e sopa gelada de manga com sorvete de arroz doce. Com exceção da primeira entrada, para mim insossa, tudo ótimo. E um sabor para catalogar na memória afetiva do Le Saint Honoré (ou melhor, L'Etoile): o sorvete de arroz doce.
O pianista voltou, tocando Richard Marx ("Wherever you go/Whatever you do/I will be riiiiiight here waaaating for you"). Ainda assim nem tudo estava acabado entre nós.
16 de março de 2007
Em revista: A Polonesa
Faça o teste: leve seu amigo foodie para passar umas horinhas na Polonesa, em Copacabana. O primeiro susto virá logo na entrada. Ele vai pensar que saiu da máquina do tempo direto para uma taberna ancestral, com garçons levemente trolls, paredes texturizadas, quadros com paisagens típicas e - o horror, o horror - cardápio com preços manuscritos.
Encomende um gole de vodka para acalmar os ânimos. E parta para a segunda parte da experiência, que consiste em mediar uma conversa gastronômica entre seu amigo e o atendente. Deixe que seu acompanhante fale de enogastronomia, harmonização vertical e picolés de salmão enquanto, discretamente, o garçom entra para pegar o tacape. Desacordado, o foodie será arrastado pelos cabelos até o batente da porta. Acordará curado, em sua primeira manhã sem pensar em emulsões.
Último dos restaurantes bárbaros, a Polonesa também tem seus luxos: toalhas enviesadas sobre as mesas e palitos de dente à vontade. Lá não se fala de gastronomia. É o reino da comidaria, de molhos grossos (mas não grosseiros), porções para dividir e quentinhas ao fim. Um conceito - um quê, doutor? - que parece não ter mais lugar nestes tempos de culinária de chef. De fato, era o que aparentava quando chegamos, cedo, e encontramos o salão tristemente ocupado por uns poucos copacabanenses típicos.
Couvert ok, com fatias finas de pão e pasta de repolhinho. Como a fome era grande, rumamos para duas especialidades: estrogonofe e peixe com molho de raiz forte. Eis que chegam batatas coradas. Não era de vergonha, imagina. Gostosas que só, com beiradas quase queimadas, abriram meu já escancarado apetite. E toma peixe, com um consistente molho, levemente picante. Não era um pescado de primeiríssima, mas ao menos estava bem cozido. Provei também o estrogonofe, sem creme de leite, evidente. Filé macio, molho engrossado. Comidão.
Seríamos xingados em polonês se saíssemos de lá sem o suflê de chocolate. E assim fizemos. Pedimos o meio, que alimentaria toda uma viela do gueto de Varsóvia. O melhor da brincadeira é o que gruda no recipiente e vira uma casca crocante. De resto, falta chocolatência, na minha modesta opinião. Fomos embora a tempo de ver o salão lotado, com apenas um suave burburinho. Acho que estavam falando baixo para não serem descobertos. Pode pegar mal.
8 de março de 2007
Migalhas de reflexão
Passei no novo Gula Gula da Rua Henrique Dumont, em Ipanema, que está em soft opening. Very soft indeed. A porteira, muito educada, disse que infelizmente não haveria jantar porque estavam preparando a casa para o dia seguinte. Intrigante.
O restaurante fica em uma casa branca tombada, dos anos 40. Promete ser um dos mais charmosos da rede, que cresce vertiginosamente. Continua simpática, embora os preços tenham subido mais que deveriam. Meu prato da temporada: a taça de camarões, uma espécie de ceviche refrescante, acompanhada de tortillas. Perfeita para os dias sufocantes.
Com minha gula excedente, corri para a Piola logo ao lado, na Paul Redfern. A pizzaria italiana agrada aos olhos, com suas luminárias coloridas e paredes desenhadas. Nem tanto ao palato: a massa crua e molenga é indigna de uma boa pizza. Um forno mais quente resolveria. Lugar para aniversários e noites festivas, sem preocupações gastronômicas.
De sobremesa, fiquei pensando no fantasma da caveira de burro. Os donos de restaurantes dizem que ela não existe. E fazem muxoxo de quem afasta uma superstição. Mas como explicar aquela loja na esquina da Paul Redfern com Prudente de Morais? O lugar já foi creole (La Brise), arrojado (Z Contemporâneo) e borbulhante (Xampanheria), entre outras encarnações. Nada dá certo. Agora fica na penumbra, assustando quem passa. Buuuuuuuuuu...
5 de março de 2007
Ipe, urra, Mitsuba!
Homero Cassiano avisa: março é mês de aniversário do Mitsuba (lê-se Mitsubá). Aí você me pergunta: isso é de comer? É sim! Com três anos de vida, o restaurante japa ainda é injustamente pouco conhecido. Às vezes reflito sobre o porquê. E eu mesmo respondo.
Homero, o dono gente boa, apostou num restaurante de ótima cozinha num lugar improvável: a Rua São Francisco Xavier, na Tijuca. Nada contra os tijucanos. Mas o bairro, com exceção do Fiorino, não tem tradição de boa gastronomia. O Mitsuba, portanto, surge ali como um estrangeiro de fala esquista. Numa rua que, vamucombiná, não é das mais glamourosas.
Como quase todo bom japa, o Mitsuba tem ambiente simples, quase simplório. Não serve rodízio nem fusões da moda. Mas também não se fecha para a criatividade. O menu também traz uma caprichada seção de quentes, geralmente bom indício de um japa sério. Na Zona Sul, o restaurante provavelmente teria preços proibitivos.
Dois fatores classificam o Mitsuba para a pole position. A primeira é o frescor e variedade de seus frutos do mar. É só provar um de seus sushis e sashimis para perceber que eles servem tudo estalando de novo. Lá também é o lugar perfeito para levar aquele seu amigo que repete a frase "eu não gosto de peixe branco" como um mantra. Como não existe um peixe de nome "branco", sob o rótulo se escondem vários tipos de pescado. Nos rodízios da vida, você vai encontrar os ordinários. No Mitsuba, os extraordinários.
Outro diferencial é o efeito Eduardo Nakahara. O chef e sushiman da casa tem a introspecção e humildade típicas dos orientais. Porém não se engane: trata-se de um mestre. Quando Homero procurava um sushiman para seu restaurante, o badalado Nao Hara (do Shin Miura) recomendou Nakahara com fogos de artifício. Para quem duvida, basta experimentar seu menu degustação cheio de surpresinhas incomuns, uma viagem sensorial das melhores. Ou então delícias como o katsu roll, o enrolado com salmão, camarão, cream-cheese e nira, empanado com panko (farinha de rosca importada do Japão), acima na foto. Hot filadélfia pra que, mané?
Quando me deparo com um restaurante de trabalho bacana, quase idealista, entro pra a torcida. Sou do fã clube do Mitsuba, assim como do Suen e de outros tantos. Porque fazer cozinha sem se dobrar ao mau gosto, à cobrança extorsiva, às modas gastronômicas, à arrogância e aos caminhos fáceis não é pra qualquer um, não.
UPDATE: Fiquei sabendo que a degustação acabou. É uma pena. Agora restam os sushi ou combinados do chef, em que o cliente escolhe os sushi e sashimi que quer comer (inclusive uma cota de importados de acordo com o tamanho do prato) e paga em torno de R$ 2 por peça.
Homero Cassiano avisa: março é mês de aniversário do Mitsuba (lê-se Mitsubá). Aí você me pergunta: isso é de comer? É sim! Com três anos de vida, o restaurante japa ainda é injustamente pouco conhecido. Às vezes reflito sobre o porquê. E eu mesmo respondo.
Homero, o dono gente boa, apostou num restaurante de ótima cozinha num lugar improvável: a Rua São Francisco Xavier, na Tijuca. Nada contra os tijucanos. Mas o bairro, com exceção do Fiorino, não tem tradição de boa gastronomia. O Mitsuba, portanto, surge ali como um estrangeiro de fala esquista. Numa rua que, vamucombiná, não é das mais glamourosas.
Como quase todo bom japa, o Mitsuba tem ambiente simples, quase simplório. Não serve rodízio nem fusões da moda. Mas também não se fecha para a criatividade. O menu também traz uma caprichada seção de quentes, geralmente bom indício de um japa sério. Na Zona Sul, o restaurante provavelmente teria preços proibitivos.
Dois fatores classificam o Mitsuba para a pole position. A primeira é o frescor e variedade de seus frutos do mar. É só provar um de seus sushis e sashimis para perceber que eles servem tudo estalando de novo. Lá também é o lugar perfeito para levar aquele seu amigo que repete a frase "eu não gosto de peixe branco" como um mantra. Como não existe um peixe de nome "branco", sob o rótulo se escondem vários tipos de pescado. Nos rodízios da vida, você vai encontrar os ordinários. No Mitsuba, os extraordinários.
Outro diferencial é o efeito Eduardo Nakahara. O chef e sushiman da casa tem a introspecção e humildade típicas dos orientais. Porém não se engane: trata-se de um mestre. Quando Homero procurava um sushiman para seu restaurante, o badalado Nao Hara (do Shin Miura) recomendou Nakahara com fogos de artifício. Para quem duvida, basta experimentar seu menu degustação cheio de surpresinhas incomuns, uma viagem sensorial das melhores. Ou então delícias como o katsu roll, o enrolado com salmão, camarão, cream-cheese e nira, empanado com panko (farinha de rosca importada do Japão), acima na foto. Hot filadélfia pra que, mané?
Quando me deparo com um restaurante de trabalho bacana, quase idealista, entro pra a torcida. Sou do fã clube do Mitsuba, assim como do Suen e de outros tantos. Porque fazer cozinha sem se dobrar ao mau gosto, à cobrança extorsiva, às modas gastronômicas, à arrogância e aos caminhos fáceis não é pra qualquer um, não.
UPDATE: Fiquei sabendo que a degustação acabou. É uma pena. Agora restam os sushi ou combinados do chef, em que o cliente escolhe os sushi e sashimi que quer comer (inclusive uma cota de importados de acordo com o tamanho do prato) e paga em torno de R$ 2 por peça.
2 de março de 2007
1 de março de 2007
B de Bazzar
O restaurante Bazzar rebatizou seu filhote, o B!. A versão mais informal da casa, presente nas lojas da Livraria da Travessa em Ipanema, no Shopping Leblon e no Centro, passa agora a se chamar Bazzar Café. A intenção é associar a rede à linha de produtos gourmet Bazzar Especialidades, à venda nos supermercados Zona Sul. O cardápio não sofrerá modificações. O sanduíche de falafel, portanto, está a salvo.
Em revista: Le Blé Noir
Na minha primeira incursão ao Le Blé Noir, pensei ter encontrado alguma técnica avançada de marketing. Algo parecido com a estratégia do Studio 54, lendária boate novaiorquina que já na noite de inauguração deixou um monte de gente do lado de fora para atiçar a curiosidade sobre o que rolava lá dentro.
Meu début foi há alguns anos. Eu e dois amigos chegamos à porta da creperia de Copacabana enquanto um outro seguia para nos encontrar. Topamos com uma pequena fila e uma senhora com cara de poucos amigos. Perguntou quantos éramos.
- Quatro, um ainda está a caminho.
- Então não pode.
- Como assim não pode?
- Só deixamos entrar grupos completos. Quando ele chegar vocês podem entrar na fila.
E sumiu na penumbra do salão. Eu, que nunca tinha visto daquilo, imaginei que ela voltaria com uma palmatória. Mas a hostess com estágio na S.S. retornou ao posto sem nos dirigir palavra. Usei um dos meus mandamentos irrevogáveis - o que diz "não piso onde não sou bem recebido" - para jurar ódio eterno ao restaurantezinho (com desprezo, por favor) francês.
Uma amiga, também barrada com igual grosseria, me deu razão. Ela sustenta que, enquanto figuras como Claude Troisgros e Olivier Cozan representam o melhor da personalidade dos franceses, ao Le Blé Noir caberia o pior: a arrogância e a altivez. Se de um lado alguns chefs acariocam-se, outros se apegam a idiossincrasias incompatíveis com a cidade. Exigir que todos cheguem juntos à casa, sem permitir um mísero retardatário, seria como pedir informações em mandarim nas ruas da Venezuela.
Prefiro achar que é marketing. E dos bons. Porque essa curiosidade sobre o que se passa a portas fechadas - ainda mais naquela penumbra misteriosa - me levou de volta ontem. Ou então foi saudade do meu amigo demi-francês Patrick, habitué da creperia, que anda pela Europa. Mais uma vez diante daquela portinha, tremi.
- Então vocês não têm reserva - constatou a recepcionista, que já era outra, em tom de suspeita.
Mesmo sem aviso prévio passamos pela inspetora. Ufa! Assim começou uma noite de delícias.
A casa é pequena, com mesas igualmente reduzidas. Das velas espalhadas pelo salão aos toques rústicos da decoração - mosaicos florais nas mesas e desenhos coloridos em quadrinhos nas paredes - tudo favorece a intimidade. O público reflete esse clima: casais de namorados, famílias sem crianças e amigos de anos.
A especialidade da cozinha comandada por Alain Caro são os crepes da Bretanha, feitos com trigo-mourisco (ou sarraceno), o tal blé noir também muito apreciado pelos russos. No menu, são várias opções de recheios, algumas inventivas como o de figo caramelizado no vinho do Porto e baunilha, queijo de cabra, presunto cru e farofa de nozes e outras mais tradicionais.
Escolhi uma combinação mais careta, a de champignons de Paris com brique (queijo de cabra mais suave que variedades como o feta e o pecorino). O prato chegou à mesa exalando um aroma poderoso, de nozes e queijo mofado, escoltado por uma salada com molho de mostarda Dijon. Na primeira garfada, o silêncio. Que mérrevilha!
Crepe que é crepe não tem massa molenga, de panqueca. Chez Michou? Nem pensar. Deve ter textura crocante como uma lasca queimadinha que gruda na panela. No Blé Noir é assim. Sem exagero de massa e com um sabor campesino, de comida da terra. Com uma cidra ao lado - legítima, não o refrigerante Cereser - o jantar correu macio. Ainda teve um crepe de pêras com chocolate pra arrematar.
Os preços não são muito convidativos. Vão da casa dos 30 reais a uns 40 e tantos. No mundo ideal, seriam mais acessíveis, afinal, não se trata de comida de gala. Mas, pela qualidade dos ingredientes, estão perdoados.
Foi assim que acabei me rendendo ao colonizador europeu. Tomara que no futuro eu consiga engolir de novo meu orgulho antes de mastigar aquelas maravilhas.
28 de fevereiro de 2007
Estamos de oooooooolho
Os cachaceiros estão em festa. O Inmetro concedeu seu selo de qualidade para as duas primeiras pingas de Minas: Prosa & Viola e sua versão branca, Terra de Minas. As marvadas são produzidas na pacata Fazenda Alvorada, no Morro da Garça. A primeira é a top, envelhecida durante três anos em barris de carvalho, enquanto a segunda (na foto, com chapeuzinho de caipira), guardada apenas um ano em barris de jequitibá, é mais indicada para drinques. O certificado atesta que elas foram produzidas com os padrões de higiene adequados e sob condições de trabalho ideais. Pode beber que é anti-séptico.
É de pirarucu, não é mesmo?
A locução e trilha sonora lembram as aulas de moral e cívica. O canal é a TV Universitária, o 16 de NET, aquele com programas de nomes como "No compasso do IME". Apesar dos pesares, "A descoberta gastronômica do Brasil" tem seus momentos. O programa produzido pelo Senac conta a história da gastronomia do país desde a colonização, com direito a pinturas de Rugendas (olha a reprodução aí) e paradas estratégicas em cozinhas de fazendas para dicas e receitas de senhorinhas. Já visitaram minha tela tapiocas, pirarucus, vatapás, tucunarés e cuscuzes (êta plural feio, cruzes). Os horários estão no site.
A locução e trilha sonora lembram as aulas de moral e cívica. O canal é a TV Universitária, o 16 de NET, aquele com programas de nomes como "No compasso do IME". Apesar dos pesares, "A descoberta gastronômica do Brasil" tem seus momentos. O programa produzido pelo Senac conta a história da gastronomia do país desde a colonização, com direito a pinturas de Rugendas (olha a reprodução aí) e paradas estratégicas em cozinhas de fazendas para dicas e receitas de senhorinhas. Já visitaram minha tela tapiocas, pirarucus, vatapás, tucunarés e cuscuzes (êta plural feio, cruzes). Os horários estão no site.
27 de fevereiro de 2007
Império dos sentidos
O que fazer quando a receita pede kümmel, zaatar ou bouquet garni? Cortar os pulsos com a faca de cozinha? Pare agora! A Tissu tem o tempero certo para cada ocasião. As especiarias, raras ou mais corriqueiras, vêm em charmosos potes de vidro arredondado com tampas de rolha sobre uma caixinha de madeira. Os kits são temáticos. Tem de pimentas (o de três reúne pimenta-do-reino, pimenta branca e peperoncino e sai por R$ 18), o duo para carnes brancas (com ervas da Provence e alho-poró) e até uma seleção de temperos afrodisíacos. Dá um presente original.
26 de fevereiro de 2007
Em revista: Da Casa da Táta
Sou inocente. Tenho um álibi forte para nunca, até ontem, ter botado os pés na Da Casa da Táta, na Gávea. Acho esse costume de lautos cafés da manhã uma beleza, coisa de cinema, mas não sou dado a acordar com os passarinhos no fim de semana. Mais fácil dormir com eles. Por isso, mesmo quando durmo em quartos imperiais em hotéis - o que não é nada costumeiro - dificilmente aproveito a fartura maravilhosa do desjejum (palavra chique mas que não me pertence) incluído.
Já tinha ouvido maravilhas do café da Casa da Táta, que hypou e virou reduto de bacanas. Realmente, a manhã foi das mais agradáveis. Se eu tivesse acordado ao som de um alarme de garagem, talvez não tivesse aprovado tanto. É preciso entrar numa vibe zen para apreciar a experiência.
O nome diz tudo. A loja é pequena, decorada com itens de artesanato, cadeiras rústicas, talheres que não combinam - é mesmo como estar na casa de alguém. Da Táta, evidente. A dona goiana é quem cuida da cozinha e seu marido, Álvaro, do salão. Se eu fosse meigo, diria que é fofo. Se fosse esnobe, diria que é cozy. Mas não combinaria com a pamonha doce que pedi logo de saída. Ou melhor, de entrada.
The business is the following: pede-se o café simples ou Da Táta (R$ 22). O completo, que vem com cesta de pães, bolo, geléia, café e frios, dá pra dois tranqüilo, desde que turbinado com sucos como o de melancia com maracujá e quitutes com a pamoooooooooonha, fresquinha, saborosaaaaaa. Quando chegou aquele embrulho de palha verde com um tijolo cor de milho no meio, meus olhos brilharam como na Fantástica Fábrica de Chocolates. Molhadinha, com textura amanteigada, porém pedaçuda, a pamonha de lá é o céu, companheiro. Por módicos R$ 5.
Outros bons momentos: o pão de queijo caseiro (esqueça a Vovó do Forno de Minas), pão de alecrim mimoso e um bolo de cenoura com nozes que lembra as melhores merendas. Só não esquente a cabeça porque o recreio é longo. Espera-se do lado de fora - a fila ganha os banquinhos da calçada - e lá dentro, onde as garçonetes, apesar de simpáticas e sorridentes, sofrem de esquecimentos crônicos. Escolha uma companhia de bom papo para evitar silêncios constrangedores.
Em revista: Bar do Arnaudo
Não sou de vestir a camisa da culinária nacional. Gosto do que gosto, seja lá pedido com sotaque ou não. Comida boa não tem fronteira: é patrimônio da humanidade. Mesmo assim, tenho cá minhas paixões verde-e-amarelas, como acarajé crepitante (recomendo o do Toca do Siri), tapiocas sem puxa-puxa, como a que Teresa Corção do Navegador sabe preparar, farofa de dendê, bobó farto (com camarão fantasma não vale) e as bebidinhas sem-vergonha da Academia da Cachaça.
Ontem, num dia de céu azul-photoshop, fui parar no Bar do Arnaudo, em Santa Teresa. O portão fechado do Bistrô Solar - que restaurante faria a indelicadeza de recusar visitas num domingo como aquele? - e os preços indecentes do Espírito Santa, que voltou americanizado, me sopraram pra lá. Estávamos em busca de um quintalzinho mais agradável, mas me conformei com o lugar de nome esquisito - não é um bar e Arnaudo deve ser sacanagem do escrivão - e troquei a calmaria por aquele sururu no salão.
Sábia escolha. Nosso grupo de quatro pediu dois pratos: um grande (carne de sol com macaxeira macia acompanhada de farofa de abóbora laranja-radioativa e feijão de corda amanteigado) e um individual (carne-seca). Queijo coalho pontuava o sortimento, espalhado aqui e ali. Quem disse que existe fome no sertão? No nosso Cariri só tinha fartura. Pagamos pouco, comemos muito. E bem. Gordura controlada, temperinhos cuidadosos. Nada próximo da grosseria que se esconde no rótulo "típico" de alguns restaurantes da Feira de São Cristóvão.
Continuo sem achar a culinária nordestina muito vistosa. Pra mim, ela tem cor de terra e aparência de improviso. Afinal, é comida do povo, com as limitações da escassez de ingredientes. O que às vezes pode ser bom para as papilas. Sabe aquele papo dos esquimós terem dezenas de denominações para diferentes colorações da neve? Pois é. Só nordestino mesmo para tirar tantos sabores das mesmas carnes, abóboras e macaxeiras.
Não sou de vestir a camisa da culinária nacional. Gosto do que gosto, seja lá pedido com sotaque ou não. Comida boa não tem fronteira: é patrimônio da humanidade. Mesmo assim, tenho cá minhas paixões verde-e-amarelas, como acarajé crepitante (recomendo o do Toca do Siri), tapiocas sem puxa-puxa, como a que Teresa Corção do Navegador sabe preparar, farofa de dendê, bobó farto (com camarão fantasma não vale) e as bebidinhas sem-vergonha da Academia da Cachaça.
Ontem, num dia de céu azul-photoshop, fui parar no Bar do Arnaudo, em Santa Teresa. O portão fechado do Bistrô Solar - que restaurante faria a indelicadeza de recusar visitas num domingo como aquele? - e os preços indecentes do Espírito Santa, que voltou americanizado, me sopraram pra lá. Estávamos em busca de um quintalzinho mais agradável, mas me conformei com o lugar de nome esquisito - não é um bar e Arnaudo deve ser sacanagem do escrivão - e troquei a calmaria por aquele sururu no salão.
Sábia escolha. Nosso grupo de quatro pediu dois pratos: um grande (carne de sol com macaxeira macia acompanhada de farofa de abóbora laranja-radioativa e feijão de corda amanteigado) e um individual (carne-seca). Queijo coalho pontuava o sortimento, espalhado aqui e ali. Quem disse que existe fome no sertão? No nosso Cariri só tinha fartura. Pagamos pouco, comemos muito. E bem. Gordura controlada, temperinhos cuidadosos. Nada próximo da grosseria que se esconde no rótulo "típico" de alguns restaurantes da Feira de São Cristóvão.
Continuo sem achar a culinária nordestina muito vistosa. Pra mim, ela tem cor de terra e aparência de improviso. Afinal, é comida do povo, com as limitações da escassez de ingredientes. O que às vezes pode ser bom para as papilas. Sabe aquele papo dos esquimós terem dezenas de denominações para diferentes colorações da neve? Pois é. Só nordestino mesmo para tirar tantos sabores das mesmas carnes, abóboras e macaxeiras.
25 de fevereiro de 2007
Em revista: Bazzar
É incrível como más impressões podem perdurar. Uma vez, nos tempos de Pero Vaz Caminha, provei um cordeiro fora do ponto no Bazzar. Estou longe de ser um gastrochato, mas aquilo me ofendeu. Sim, porque comida ao mesmo tempo fora de forma e do orçamento é agressão pessoal.
Pois muito governos depois, hoje voltei. A casa é de um cosmopolitismo agradável. Salão de luzes benéficas à tez, musiqueta de chiláute e recepção adocicada de Meire. A varandinha é carioca como deveria ser e o público ligeiramente paulista (de alma, digo) não incomoda nem acrescenta. Só compõe.
Dado o calor sufocante desta época, resolvi fazer o prudente: cair no rosé. Quem disse? Tinha mas acabara. Próximo palpite: um branco argentino (desculpem-me os enotensos, mas não me recordo o rótulo, do qual certamente ririam). Estava morninho e voltou pro gelo, para mais tarde ressuscitar meio grau melhor. Mas o céu estava bonito e as companhias, idem. Não sou azedo e perdoei.
Mimo da noite: no couvert, pão focaccia, levemente perfumado de limão, para ser molhado em dois tipos de azeite, que formavam no prato um padrão bicolor. Aplausos, maestro. Depois veio meu prato, um namorado com risoto de funcho e molho de tomate com manjericão. O peixe estava tinindo, com uma crosta delicada e um interior úmido. O risotinho fazia a cama macia e o o molho de tomate sem acidez excessiva, o travesseiro. Pooonto.
Terminamos com três crepinhos de Nutella, dos quais me cabia um e meio. As massas estavam com crocância nas beiradas, como convém. E o sorvete para acompanhar não era Kibon nem Yopa. Portanto, nada daquele gosto saponáceo industrializado. Grazie, signore. Foi o carinho que precisava para dormir feliz. E amanhã tem Casa da Táta.
24 de fevereiro de 2007
Vai uma pinga colada aí?
Uma das coisas mais complicadas para quem escreve sobre gastronomia é a ortografia. Com tantos ingredientes e preparações locais, os termos gastronômicos se espalham por uma infinidade de línguas. Por vezes, sofrem pequenas variações enquanto cruzam fronteiras (jerez em espanhol vira xerez em português e sherry em inglês). Termos gringos ganham grafias aportuguesadas (espaguete no lugar de spaghetti) ou são largamente usados no original, apesar das suas complicações (o francês crème brûlée, assíduo dos cardápios cariocas com todas as grafias imagináveis). Ou ainda são aportuguesados pelo uso mas os dicionários, conservadores, não aceitam as variações.
Pra complicar, palavras em português têm mais de uma grafia: a berinjela, que o crítico gastronômico Josimar Melo prefere escrever com J, também existe com G. Você decide se come uma berinjela ou uma beringela. Isso se o garçom não decidir por você. A Luciana Fróes conta a história da omelete de brie com salada crespa que, no português endiabrado de uma atendente, virou omelete de brito com salada vespa.
E os cardápios bilíngues? Medo. Uma vez, um amigo avistou uma seção de Massas de uma carta que virou Mass em inglês de matuto. Até os tradutores se complicam. Na edição brasileira do ótimo livro "Champanhe", dos americanos Don e Petie Kladstrup, a região da vinícula de Borgonha, na França, (Bourgogne no original) aparecia o tempo todo como Burgundy, com sua grafia em inglês. A muçarela (ou será mozarela? ou mussarela?) é outro caso sério, que já mereceu até post no blog "A palavra é...", escrito por Sérgio Rodrigues no no mínimo. Pirateio o texto abaixo (eu sei que podia linkar, mas é porque o texto tá lá embaixo na rolagem):
Mussarela
O leitor D. Mancini, de Umuarama, no Paraná, traz à mesa uma palavra que sempre evitei abordar aqui na coluna. E evitei por motivos pouco nobres, reconheço: uma mistura de tédio, impaciência, cansaço. Quando se trata de ortografia, esse verniz da língua, talvez a única dimensão dela que é regulada a canetadas pelos legisladores, há “crimes” que, de tão consagrados, é melhor nem comentar. Mas, paciência, vamos à mensagem:
Sempre li e escrevi ‘mussarela’, importante componente de pizzas e outros quitutes. Na TV, a professora de língua portuguesa ensina que o correto é muçarela – com ç. Meu Aurélio não traz nenhuma das formas. Fico grato pelo esclarecimento. Obrigado.
Bom, Mancini, não é só você: todo mundo – mas todo mundo mesmo – escreve “mussarela”. E nenhum dicionário importante reconhece essa grafia. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, também não. Recomenda-se, em geral, “muçarela” ou “mozarela” como forma aportuguesada do italiano mozzarella.
O Google é um instrumento precioso para nos dar uma idéia do descompasso entre “lei” e uso neste caso. O descompasso é descomunal. Quando a busca é feita em páginas do Brasil, “mozarela” traz 925 ocorrências; “muçarela”, 587; e “mussarela”, 197.000!
Nas buscas de páginas em português em geral, mudam um pouco as proporções, mas não a substância: “mozarela”, 11.600; “muçarela”, 1.080; “mussarela”, 228.000.
Como se vê, a preferência dos falantes de português – cultos, incultos, altos, baixos, gordos, magros – por “mussarela” é acachapante. Desobediência civil é isso aí. Sem qualquer traço de populismo, recomendo a todo mundo comer e escrever sua “mussarela” em paz, com a maior calma, esperando que os lexicógrafos caiam em si. É o que eu faço.
Enquanto isso, como ortografia é lei, convém ser hipócrita em casos de vestibular e concursos em geral. Ano passado, um concurso público da prefeitura de Jundiaí (SP) provocou revolta ao lançar numa prova de português a pegadinha da mussarela, derrubando quase todo mundo. É ridículo, claro, mas nunca falta quem acredite que dessa forma avalia o domínio lingüístico dos candidatos.
Uma das coisas mais complicadas para quem escreve sobre gastronomia é a ortografia. Com tantos ingredientes e preparações locais, os termos gastronômicos se espalham por uma infinidade de línguas. Por vezes, sofrem pequenas variações enquanto cruzam fronteiras (jerez em espanhol vira xerez em português e sherry em inglês). Termos gringos ganham grafias aportuguesadas (espaguete no lugar de spaghetti) ou são largamente usados no original, apesar das suas complicações (o francês crème brûlée, assíduo dos cardápios cariocas com todas as grafias imagináveis). Ou ainda são aportuguesados pelo uso mas os dicionários, conservadores, não aceitam as variações.
Pra complicar, palavras em português têm mais de uma grafia: a berinjela, que o crítico gastronômico Josimar Melo prefere escrever com J, também existe com G. Você decide se come uma berinjela ou uma beringela. Isso se o garçom não decidir por você. A Luciana Fróes conta a história da omelete de brie com salada crespa que, no português endiabrado de uma atendente, virou omelete de brito com salada vespa.
E os cardápios bilíngues? Medo. Uma vez, um amigo avistou uma seção de Massas de uma carta que virou Mass em inglês de matuto. Até os tradutores se complicam. Na edição brasileira do ótimo livro "Champanhe", dos americanos Don e Petie Kladstrup, a região da vinícula de Borgonha, na França, (Bourgogne no original) aparecia o tempo todo como Burgundy, com sua grafia em inglês. A muçarela (ou será mozarela? ou mussarela?) é outro caso sério, que já mereceu até post no blog "A palavra é...", escrito por Sérgio Rodrigues no no mínimo. Pirateio o texto abaixo (eu sei que podia linkar, mas é porque o texto tá lá embaixo na rolagem):
Mussarela
O leitor D. Mancini, de Umuarama, no Paraná, traz à mesa uma palavra que sempre evitei abordar aqui na coluna. E evitei por motivos pouco nobres, reconheço: uma mistura de tédio, impaciência, cansaço. Quando se trata de ortografia, esse verniz da língua, talvez a única dimensão dela que é regulada a canetadas pelos legisladores, há “crimes” que, de tão consagrados, é melhor nem comentar. Mas, paciência, vamos à mensagem:
Sempre li e escrevi ‘mussarela’, importante componente de pizzas e outros quitutes. Na TV, a professora de língua portuguesa ensina que o correto é muçarela – com ç. Meu Aurélio não traz nenhuma das formas. Fico grato pelo esclarecimento. Obrigado.
Bom, Mancini, não é só você: todo mundo – mas todo mundo mesmo – escreve “mussarela”. E nenhum dicionário importante reconhece essa grafia. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, também não. Recomenda-se, em geral, “muçarela” ou “mozarela” como forma aportuguesada do italiano mozzarella.
O Google é um instrumento precioso para nos dar uma idéia do descompasso entre “lei” e uso neste caso. O descompasso é descomunal. Quando a busca é feita em páginas do Brasil, “mozarela” traz 925 ocorrências; “muçarela”, 587; e “mussarela”, 197.000!
Nas buscas de páginas em português em geral, mudam um pouco as proporções, mas não a substância: “mozarela”, 11.600; “muçarela”, 1.080; “mussarela”, 228.000.
Como se vê, a preferência dos falantes de português – cultos, incultos, altos, baixos, gordos, magros – por “mussarela” é acachapante. Desobediência civil é isso aí. Sem qualquer traço de populismo, recomendo a todo mundo comer e escrever sua “mussarela” em paz, com a maior calma, esperando que os lexicógrafos caiam em si. É o que eu faço.
Enquanto isso, como ortografia é lei, convém ser hipócrita em casos de vestibular e concursos em geral. Ano passado, um concurso público da prefeitura de Jundiaí (SP) provocou revolta ao lançar numa prova de português a pegadinha da mussarela, derrubando quase todo mundo. É ridículo, claro, mas nunca falta quem acredite que dessa forma avalia o domínio lingüístico dos candidatos.
Niterói é o futuro
Uma das últimas edições da revista "Superinteressante" traz na capa uma matéria sobre os novos rumos da tevê. Advoga que o sucesso do Youtube e do TiVo aponta para um novo horizonte em que o espectador vai escolher livremente seus programas, horários de exibição, dar pause, rewind e fast forward ao seu bel-prazer. Então, a gastronomia carioca (ou melhor, niteroiense) já participa do futuro. Está no ar na Web Television Network o programa Cardápio WTN, comandado pelo chef calabrês Bruno Marasco, do Da Carmine, em Nikity.
A WTN, apesar do nome gringo, é coisa nossa. É um site que hospeda, na definição deles mesmos, programação "on demand". Traduzindo: produz programas que ficam lá guardados até que o internauta, entre um sassarico e outro no Youtube, se digne a vê-los. Os programetes de gastronomia são curtos e sem grande produção. A maior parte deles ensina receitas, como a de camarões ao vinagrete de limão siciliano. Mas também já estão lá vídeos sobre a história da bruschetta e sobre como escolher as facas de cozinha. Vale dar uma passada.
Uma das últimas edições da revista "Superinteressante" traz na capa uma matéria sobre os novos rumos da tevê. Advoga que o sucesso do Youtube e do TiVo aponta para um novo horizonte em que o espectador vai escolher livremente seus programas, horários de exibição, dar pause, rewind e fast forward ao seu bel-prazer. Então, a gastronomia carioca (ou melhor, niteroiense) já participa do futuro. Está no ar na Web Television Network o programa Cardápio WTN, comandado pelo chef calabrês Bruno Marasco, do Da Carmine, em Nikity.
A WTN, apesar do nome gringo, é coisa nossa. É um site que hospeda, na definição deles mesmos, programação "on demand". Traduzindo: produz programas que ficam lá guardados até que o internauta, entre um sassarico e outro no Youtube, se digne a vê-los. Os programetes de gastronomia são curtos e sem grande produção. A maior parte deles ensina receitas, como a de camarões ao vinagrete de limão siciliano. Mas também já estão lá vídeos sobre a história da bruschetta e sobre como escolher as facas de cozinha. Vale dar uma passada.
Ave, Talento
Foi só falar no assunto popularização do chocolate com alta concentração de cacau que a Garoto me aparece com essa novidade. Acaba de se juntar à família Talento o novo Talento Intense, com 55% de cacau e amêndoas para dar um tchã. O novo produto também surge em versão ovo de páscoa, à venda nas Americanas. Rezemos para não terem substituído parte da manteiga de cacau pela odiosa gordura hidrogenada (tipo de gordura trans), como é o costume da indústria nacional. A conferir.
Toblerone's got soul, brotha
Hey, hey, hey! Agora está mais fácil encontrar a versão amarga do Toblerone nos supermercados. O negão vem pra tirar a cisma de quem diz que a marca suíça faz chocolate muito doce. Afinal, leva mel na preparação, além do nougat de amêndoas pegajoso na meiuca (momento você sabia: o "rone" do nome da marca vem de "torrone", o famoso nougat italiano). Antes, só eram encontráveis as versões ao leite e branco. Com seis real larica-se feliz.
Hey, hey, hey! Agora está mais fácil encontrar a versão amarga do Toblerone nos supermercados. O negão vem pra tirar a cisma de quem diz que a marca suíça faz chocolate muito doce. Afinal, leva mel na preparação, além do nougat de amêndoas pegajoso na meiuca (momento você sabia: o "rone" do nome da marca vem de "torrone", o famoso nougat italiano). Antes, só eram encontráveis as versões ao leite e branco. Com seis real larica-se feliz.
Utensílio, o estranho
O nome deste porta-facas é sugestivo: The Ex. Quem quiser deixar o boneco vodu do ex em exibição na cozinha, crivado de facas como a mãe de "Carrie, a estranha", pode comprar o apetrecho na ThinkGeek. Custa U$ 70.
O nome deste porta-facas é sugestivo: The Ex. Quem quiser deixar o boneco vodu do ex em exibição na cozinha, crivado de facas como a mãe de "Carrie, a estranha", pode comprar o apetrecho na ThinkGeek. Custa U$ 70.
23 de fevereiro de 2007
Gastronomia da GNT anotada
Receitas de Nigella - Apesar do delicioso sotaque upper class, Nigella Lawson (na foto) não é nada aristocrática. Chafurda nos ingredientes, adora uma gordura, procura receitas em livros velhos e suspeitos, consulta as anotações de família e come com as mãos. É a grande mãezona dos programas do gênero: está sempre com a casa cheia de amigos e crianças. Gastronomicamente incorreta, é a antítese da comida light e de chef. Já vi empanar barras de chocolate industrializadas e mergulhar cada uma em gordura borbulhante. Não é por acaso que, apesar de linda, é sempre mostrada da cintura pra cima: tende a comer além da conta. Diz a Danielle Dahoui, ex-Bar d'Hotel, que suas receitas não funcionam. Não importa. Pela subversão, merece meu respeito eterno.
Menu Confiança - Impossível não simpatizar com a figura bonachona de Claude Troisgros. A mistura de francesice atolada e informalidade carioca tem muito charme. Mas não esqueça que se trata de um mestre, da linhagem de Pierre Troisgros. Com uma vantagem: Claude consegue fugir da gastronomia doutrinária com malandragem e ingredientes dos trópicos. Técnico, porém caloroso. Nunca vou me esquecer da cena em que resgatava um pato daquela gordurama coagulada do confit enquanto soltava hmmmmmms e ais. Ou do seu olhar de confusão diante das misturas idiossincráticas de Nao Hara, do Shin Miura. Renato Machado representa seu avesso. Sempre overdressed, com tom professoral, escolhe suas palavras com tanta prudência que parece estar escrevendo seu epitáfio. É uma espécie de Amaury Jr dos vinhos. Quando aparece, dá sono.
Truques de Oliver - Fico um pouco cansado quando assisto Oliver na tevê. Nervosinho, fala muito rápido e com língua presa enquanto se mexe de um lado pro outro. Parece fazer tudo meio atabalhoadamente. É a arma da gastronomia televisiva para combater o ranço das tradições e a fala distanciada dos especialistas. Sua persona parece querer dizer: "sou zovem, tenho atitude, cabelo descontruído, roquenrol, mp3, percebe?". Tenho alguma desconfiança sobre as suas escolhas de combinações e suas receitas. Parece haver algo muito inglês ali, de quem foi criado com fish and chips (eca). Um dos pontos altos foi sua viagem para a Itália, onde seus pratos foram rechaçados em várias casas de mamma. Morri de rir.
Mesa pra Dois - Uma combinação tipo Troisgros/Machado essa de Flávia Quaresma e Alex Atala. Ele, num estúdio que mais parece cenário de THX 1138, representa o rigor técnico e a contemporaneidade. Ela, mochilando pelo Brasil e resto do mundo, faz amigos, prova temperos estranhos, vai a fábricas de farinha de mandioca e desvenda mistérios. Consigo admirar os dois, a despeito da fa-la com pau-sas es-qui-si-tas de Atala, já famosa. É dos programas mais informativos para quem gosta de gastronomia. Aprendi com o chef, por exemplo, várias técnicas de emulsão (em teoria, já que só entro na cozinha para abrir a geladeira). Ou a importância da temperatura de cocção para atingir diferentes efeitos, como o sabor caramelado nas carnes. Flávia me mostrou ingredientes de que nunca tinha ouvido falar. Me disseram que o programa parou de ser gravado. É verdade?
Baratos modestos
Não é novidade que chocolate virou coisa de expert. O bacana é que a moda do chocolate top - sem gordura hidrogenada, leite e com muita concentração de cacau - está ganhando prateleiras mais amigáveis. Agora não é mais preciso penar (e depenar a conta corrente) para comprar um Callebaut, matéria-prima usada por gente como Frederic de Maeyer, do Eça, e Samantha Aquim, do Aquim. Há um tempo, encontrei no Zona Sul um honestíssimo Lindt 70% de cacau, da linha Excellence. Vem numa caixinha mais dura para proteger do contato com as mãos e o derretimento, num formato mais fino. É bem escuro, denso, amargo e sai por menos de R$ 20 (nas Americanas sai por R$ 9,90, mas não sei como um chocolate sobrevive a uma remessa dos Correios). Dias depois, voltei lá e um Lindt da mesma linha de 85% (eu disse 85!) me olhava. Mandei pro bucho. Agora descobri que existe um de 99%!!! Fiquei trêmulo, com a visão embaçada e ainda não consegui localizar a preciosidade. Na boa e velha Kopenhagen, a novidade é a barrinha 70%. Fica bem na boca do caixa, o que torna obrigatório comprar por impulso, como aquelas pilhas de supermercado. É um tijolinho de 35g só, um barato modesto para viciados em reabilitação. Coisa de R$ 2,50.
22 de fevereiro de 2007
Food lounge
Minha matéria de gastronomia do Rio Show desta semana falava de comfort food, esse conceito pra lá de elástico, repetido por aí como uma etiqueta de modernidade. O papel-jornal não comporta meus devaneios, portanto ei-los.
Pra começar, não se trata de nada novo. Nem a expressão propriamente dita, que não foi inventada por um restaurante novaiorquino da moda. Segundo a Wikipedia, consta do dicionário Webster desde 1972. Não há uma definição exata. O conforto em questão depende de quem usa. Explico: é aquela comida com valor afetivo, que pode ser a canja da vovó, o mingau de Cremogema ou o bife à milanesa da empregada de antanho. Funciona mais ou menos como aquele travesseirinho de estimação, que na pirralhice era chamado de Pipoca e sobrevive surrado e com cheiro de mofo. Tem muito marmanjo que não dorme longe do talismã. Outros enchem o peito de nostalgia com um brigadeiro de colher.
Para mim, comfort food tem duas características básicas. Primeiro: tem que ser quentinha. Tudo que conforta, que acalenta, é morno. Tudo que agride, desperta, é gelado. Segundo: precisa ser macia, cremosa, agradável ao tato - a gente se esquece, mas a língua também tem lá o seu. Tem coisa mais comfortable que polenta? (O Gero e Quadrifloglio têm ótimas, aliás). Macia, desce como um veludo. Depois, cobre a pança como uma colcha no frio da Serra. O parente prosaico da polenta, o creme de milho, também faz bonito.
O vatapá é desqualificado na última etapa. Embora maravilhoso, não é morno. O mingau de aveia passa na média. Brigadeiro comido na colher, ainda quentinho na panela, é campeão (e aquela camada durinha grudada na panela? hein? hein?). Aliás, chocolate sempre ganha. Canjica de festa junina (na foto, com purpurina de canela), pra mim, tem gosto de boa infância (o sagu chega junto, mas na geladeira fica desclassificado). Coisas meio papa africana, tudo delícia. Uma vez provei um menu-degustação às cegas - era TUDO breu mesmo, como naqueles restaurantes hypados pelo mundo - da Samantha Aquim que era puro comfort. Comida afetiva e com senso de brincadeira.
Mas essas são minhas concepções. Em teoria, nada que é gastronomicamente elaborado, trendy, assinado, in, pode ser comfort. O Miam Miam, com sua clientela de fashionistas, bibas e figuras da noite, jura que é. Acho não. Mais fácil encontrar alento num risoto bem cremoso do Acqua Pazza ou num café da manhã cheio de regalinhos na Escola do Pão. Depende das lembranças de cada um. Para Proust, bastou uma madeleine para provocar uma torrente de reminiscências.
A Wikipedia ensina: comfort food é basicamente carboidrato. Seja simples, elaborado, açúcar, farinha, arroz ou outros mais. Segundo os cientistas, eles (os carboidratos) causam um efeito parecido com o do ópio no cérebro. Eu, chocólatra assumido, conheço bem esse barato. Tanto que meu vício já chegou aos 85% (de teor de cacau, obviamente).
Os glutões são os top viciados nessa recompensa. Vivem escravos do conforto, numa espécie de gigantesco lounge alimentício cheio de pufes. Se entopem para, nesse excesso, tentar repetir uma experiência de acarinhamento que a comida pode proporcionar. São como crianças crescidas com uma carência do tamanho de suas barrigas. Mas, como toda fartura, a do conforto alimentício pode ser frustrante. Ficar no sofá o dia todo não tem graça nenhuma.
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