28 de fevereiro de 2007


Estamos de oooooooolho

Os cachaceiros estão em festa. O Inmetro concedeu seu selo de qualidade para as duas primeiras pingas de Minas: Prosa & Viola e sua versão branca, Terra de Minas. As marvadas são produzidas na pacata Fazenda Alvorada, no Morro da Garça. A primeira é a top, envelhecida durante três anos em barris de carvalho, enquanto a segunda (na foto, com chapeuzinho de caipira), guardada apenas um ano em barris de jequitibá, é mais indicada para drinques. O certificado atesta que elas foram produzidas com os padrões de higiene adequados e sob condições de trabalho ideais. Pode beber que é anti-séptico.

É de pirarucu, não é mesmo?

A locução e trilha sonora lembram as aulas de moral e cívica. O canal é a TV Universitária, o 16 de NET, aquele com programas de nomes como "No compasso do IME". Apesar dos pesares, "A descoberta gastronômica do Brasil" tem seus momentos. O programa produzido pelo Senac conta a história da gastronomia do país desde a colonização, com direito a pinturas de Rugendas (olha a reprodução aí) e paradas estratégicas em cozinhas de fazendas para dicas e receitas de senhorinhas. Já visitaram minha tela tapiocas, pirarucus, vatapás, tucunarés e cuscuzes (êta plural feio, cruzes). Os horários estão no site.

27 de fevereiro de 2007

Império dos sentidos




O que fazer quando a receita pede kümmel, zaatar ou bouquet garni? Cortar os pulsos com a faca de cozinha? Pare agora! A Tissu tem o tempero certo para cada ocasião. As especiarias, raras ou mais corriqueiras, vêm em charmosos potes de vidro arredondado com tampas de rolha sobre uma caixinha de madeira. Os kits são temáticos. Tem de pimentas (o de três reúne pimenta-do-reino, pimenta branca e peperoncino e sai por R$ 18), o duo para carnes brancas (com ervas da Provence e alho-poró) e até uma seleção de temperos afrodisíacos. Dá um presente original.
Dúvida do dia

Alguém me explica o slogan da revista "Gula"?

"Comer bem é a melhor vingança"

Contra quem? O nutricionista? A sogra?

26 de fevereiro de 2007


Em revista: Da Casa da Táta

Sou inocente. Tenho um álibi forte para nunca, até ontem, ter botado os pés na Da Casa da Táta, na Gávea. Acho esse costume de lautos cafés da manhã uma beleza, coisa de cinema, mas não sou dado a acordar com os passarinhos no fim de semana. Mais fácil dormir com eles. Por isso, mesmo quando durmo em quartos imperiais em hotéis - o que não é nada costumeiro - dificilmente aproveito a fartura maravilhosa do desjejum (palavra chique mas que não me pertence) incluído.

Já tinha ouvido maravilhas do café da Casa da Táta, que hypou e virou reduto de bacanas. Realmente, a manhã foi das mais agradáveis. Se eu tivesse acordado ao som de um alarme de garagem, talvez não tivesse aprovado tanto. É preciso entrar numa vibe zen para apreciar a experiência.

O nome diz tudo. A loja é pequena, decorada com itens de artesanato, cadeiras rústicas, talheres que não combinam - é mesmo como estar na casa de alguém. Da Táta, evidente. A dona goiana é quem cuida da cozinha e seu marido, Álvaro, do salão. Se eu fosse meigo, diria que é fofo. Se fosse esnobe, diria que é cozy. Mas não combinaria com a pamonha doce que pedi logo de saída. Ou melhor, de entrada.

The business is the following: pede-se o café simples ou Da Táta (R$ 22). O completo, que vem com cesta de pães, bolo, geléia, café e frios, dá pra dois tranqüilo, desde que turbinado com sucos como o de melancia com maracujá e quitutes com a pamoooooooooonha, fresquinha, saborosaaaaaa. Quando chegou aquele embrulho de palha verde com um tijolo cor de milho no meio, meus olhos brilharam como na Fantástica Fábrica de Chocolates. Molhadinha, com textura amanteigada, porém pedaçuda, a pamonha de lá é o céu, companheiro. Por módicos R$ 5.

Outros bons momentos: o pão de queijo caseiro (esqueça a Vovó do Forno de Minas), pão de alecrim mimoso e um bolo de cenoura com nozes que lembra as melhores merendas. Só não esquente a cabeça porque o recreio é longo. Espera-se do lado de fora - a fila ganha os banquinhos da calçada - e lá dentro, onde as garçonetes, apesar de simpáticas e sorridentes, sofrem de esquecimentos crônicos. Escolha uma companhia de bom papo para evitar silêncios constrangedores.
Em revista: Bar do Arnaudo



Não sou de vestir a camisa da culinária nacional. Gosto do que gosto, seja lá pedido com sotaque ou não. Comida boa não tem fronteira: é patrimônio da humanidade. Mesmo assim, tenho cá minhas paixões verde-e-amarelas, como acarajé crepitante (recomendo o do Toca do Siri), tapiocas sem puxa-puxa, como a que Teresa Corção do Navegador sabe preparar, farofa de dendê, bobó farto (com camarão fantasma não vale) e as bebidinhas sem-vergonha da Academia da Cachaça.

Ontem, num dia de céu azul-photoshop, fui parar no Bar do Arnaudo, em Santa Teresa. O portão fechado do Bistrô Solar - que restaurante faria a indelicadeza de recusar visitas num domingo como aquele? - e os preços indecentes do Espírito Santa, que voltou americanizado, me sopraram pra lá. Estávamos em busca de um quintalzinho mais agradável, mas me conformei com o lugar de nome esquisito - não é um bar e Arnaudo deve ser sacanagem do escrivão - e troquei a calmaria por aquele sururu no salão.

Sábia escolha. Nosso grupo de quatro pediu dois pratos: um grande (carne de sol com macaxeira macia acompanhada de farofa de abóbora laranja-radioativa e feijão de corda amanteigado) e um individual (carne-seca). Queijo coalho pontuava o sortimento, espalhado aqui e ali. Quem disse que existe fome no sertão? No nosso Cariri só tinha fartura. Pagamos pouco, comemos muito. E bem. Gordura controlada, temperinhos cuidadosos. Nada próximo da grosseria que se esconde no rótulo "típico" de alguns restaurantes da Feira de São Cristóvão.

Continuo sem achar a culinária nordestina muito vistosa. Pra mim, ela tem cor de terra e aparência de improviso. Afinal, é comida do povo, com as limitações da escassez de ingredientes. O que às vezes pode ser bom para as papilas. Sabe aquele papo dos esquimós terem dezenas de denominações para diferentes colorações da neve? Pois é. Só nordestino mesmo para tirar tantos sabores das mesmas carnes, abóboras e macaxeiras.

25 de fevereiro de 2007


Em revista: Bazzar

É incrível como más impressões podem perdurar. Uma vez, nos tempos de Pero Vaz Caminha, provei um cordeiro fora do ponto no Bazzar. Estou longe de ser um gastrochato, mas aquilo me ofendeu. Sim, porque comida ao mesmo tempo fora de forma e do orçamento é agressão pessoal.

Pois muito governos depois, hoje voltei. A casa é de um cosmopolitismo agradável. Salão de luzes benéficas à tez, musiqueta de chiláute e recepção adocicada de Meire. A varandinha é carioca como deveria ser e o público ligeiramente paulista (de alma, digo) não incomoda nem acrescenta. Só compõe.

Dado o calor sufocante desta época, resolvi fazer o prudente: cair no rosé. Quem disse? Tinha mas acabara. Próximo palpite: um branco argentino (desculpem-me os enotensos, mas não me recordo o rótulo, do qual certamente ririam). Estava morninho e voltou pro gelo, para mais tarde ressuscitar meio grau melhor. Mas o céu estava bonito e as companhias, idem. Não sou azedo e perdoei.

Mimo da noite: no couvert, pão focaccia, levemente perfumado de limão, para ser molhado em dois tipos de azeite, que formavam no prato um padrão bicolor. Aplausos, maestro. Depois veio meu prato, um namorado com risoto de funcho e molho de tomate com manjericão. O peixe estava tinindo, com uma crosta delicada e um interior úmido. O risotinho fazia a cama macia e o o molho de tomate sem acidez excessiva, o travesseiro. Pooonto.

Terminamos com três crepinhos de Nutella, dos quais me cabia um e meio. As massas estavam com crocância nas beiradas, como convém. E o sorvete para acompanhar não era Kibon nem Yopa. Portanto, nada daquele gosto saponáceo industrializado. Grazie, signore. Foi o carinho que precisava para dormir feliz. E amanhã tem Casa da Táta.

24 de fevereiro de 2007

Vai uma pinga colada aí?


Uma das coisas mais complicadas para quem escreve sobre gastronomia é a ortografia. Com tantos ingredientes e preparações locais, os termos gastronômicos se espalham por uma infinidade de línguas. Por vezes, sofrem pequenas variações enquanto cruzam fronteiras (jerez em espanhol vira xerez em português e sherry em inglês). Termos gringos ganham grafias aportuguesadas (espaguete no lugar de spaghetti) ou são largamente usados no original, apesar das suas complicações (o francês crème brûlée, assíduo dos cardápios cariocas com todas as grafias imagináveis). Ou ainda são aportuguesados pelo uso mas os dicionários, conservadores, não aceitam as variações.

Pra complicar, palavras em português têm mais de uma grafia: a berinjela, que o crítico gastronômico Josimar Melo prefere escrever com J, também existe com G. Você decide se come uma berinjela ou uma beringela. Isso se o garçom não decidir por você. A Luciana Fróes conta a história da omelete de brie com salada crespa que, no português endiabrado de uma atendente, virou omelete de brito com salada vespa.

E os cardápios bilíngues? Medo. Uma vez, um amigo avistou uma seção de Massas de uma carta que virou Mass em inglês de matuto. Até os tradutores se complicam. Na edição brasileira do ótimo livro "Champanhe", dos americanos Don e Petie Kladstrup, a região da vinícula de Borgonha, na França, (Bourgogne no original) aparecia o tempo todo como Burgundy, com sua grafia em inglês. A muçarela (ou será mozarela? ou mussarela?) é outro caso sério, que já mereceu até post no blog "A palavra é...", escrito por Sérgio Rodrigues no no mínimo. Pirateio o texto abaixo (eu sei que podia linkar, mas é porque o texto tá lá embaixo na rolagem):



Mussarela

O leitor D. Mancini, de Umuarama, no Paraná, traz à mesa uma palavra que sempre evitei abordar aqui na coluna. E evitei por motivos pouco nobres, reconheço: uma mistura de tédio, impaciência, cansaço. Quando se trata de ortografia, esse verniz da língua, talvez a única dimensão dela que é regulada a canetadas pelos legisladores, há “crimes” que, de tão consagrados, é melhor nem comentar. Mas, paciência, vamos à mensagem:

Sempre li e escrevi ‘mussarela’, importante componente de pizzas e outros quitutes. Na TV, a professora de língua portuguesa ensina que o correto é muçarela – com ç. Meu Aurélio não traz nenhuma das formas. Fico grato pelo esclarecimento. Obrigado.

Bom, Mancini, não é só você: todo mundo – mas todo mundo mesmo – escreve “mussarela”. E nenhum dicionário importante reconhece essa grafia. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, também não. Recomenda-se, em geral, “muçarela” ou “mozarela” como forma aportuguesada do italiano mozzarella.

O Google é um instrumento precioso para nos dar uma idéia do descompasso entre “lei” e uso neste caso. O descompasso é descomunal. Quando a busca é feita em páginas do Brasil, “mozarela” traz 925 ocorrências; “muçarela”, 587; e “mussarela”, 197.000!

Nas buscas de páginas em português em geral, mudam um pouco as proporções, mas não a substância: “mozarela”, 11.600; “muçarela”, 1.080; “mussarela”, 228.000.

Como se vê, a preferência dos falantes de português – cultos, incultos, altos, baixos, gordos, magros – por “mussarela” é acachapante. Desobediência civil é isso aí. Sem qualquer traço de populismo, recomendo a todo mundo comer e escrever sua “mussarela” em paz, com a maior calma, esperando que os lexicógrafos caiam em si. É o que eu faço.

Enquanto isso, como ortografia é lei, convém ser hipócrita em casos de vestibular e concursos em geral. Ano passado, um concurso público da prefeitura de Jundiaí (SP) provocou revolta ao lançar numa prova de português a pegadinha da mussarela, derrubando quase todo mundo. É ridículo, claro, mas nunca falta quem acredite que dessa forma avalia o domínio lingüístico dos candidatos.
Niterói é o futuro



Uma das últimas edições da revista "Superinteressante" traz na capa uma matéria sobre os novos rumos da tevê. Advoga que o sucesso do Youtube e do TiVo aponta para um novo horizonte em que o espectador vai escolher livremente seus programas, horários de exibição, dar pause, rewind e fast forward ao seu bel-prazer. Então, a gastronomia carioca (ou melhor, niteroiense) já participa do futuro. Está no ar na Web Television Network o programa Cardápio WTN, comandado pelo chef calabrês Bruno Marasco, do Da Carmine, em Nikity.

A WTN, apesar do nome gringo, é coisa nossa. É um site que hospeda, na definição deles mesmos, programação "on demand". Traduzindo: produz programas que ficam lá guardados até que o internauta, entre um sassarico e outro no Youtube, se digne a vê-los. Os programetes de gastronomia são curtos e sem grande produção. A maior parte deles ensina receitas, como a de camarões ao vinagrete de limão siciliano. Mas também já estão lá vídeos sobre a história da bruschetta e sobre como escolher as facas de cozinha. Vale dar uma passada.

Ave, Talento


Foi só falar no assunto popularização do chocolate com alta concentração de cacau que a Garoto me aparece com essa novidade. Acaba de se juntar à família Talento o novo Talento Intense, com 55% de cacau e amêndoas para dar um tchã. O novo produto também surge em versão ovo de páscoa, à venda nas Americanas. Rezemos para não terem substituído parte da manteiga de cacau pela odiosa gordura hidrogenada (tipo de gordura trans), como é o costume da indústria nacional. A conferir.
Toblerone's got soul, brotha




Hey, hey, hey! Agora está mais fácil encontrar a versão amarga do Toblerone nos supermercados. O negão vem pra tirar a cisma de quem diz que a marca suíça faz chocolate muito doce. Afinal, leva mel na preparação, além do nougat de amêndoas pegajoso na meiuca (momento você sabia: o "rone" do nome da marca vem de "torrone", o famoso nougat italiano). Antes, só eram encontráveis as versões ao leite e branco. Com seis real larica-se feliz.
Utensílio, o estranho




O nome deste porta-facas é sugestivo: The Ex. Quem quiser deixar o boneco vodu do ex em exibição na cozinha, crivado de facas como a mãe de "Carrie, a estranha", pode comprar o apetrecho na ThinkGeek. Custa U$ 70.

23 de fevereiro de 2007



Gastronomia da GNT anotada


Receitas de Nigella - Apesar do delicioso sotaque upper class, Nigella Lawson (na foto) não é nada aristocrática. Chafurda nos ingredientes, adora uma gordura, procura receitas em livros velhos e suspeitos, consulta as anotações de família e come com as mãos. É a grande mãezona dos programas do gênero: está sempre com a casa cheia de amigos e crianças. Gastronomicamente incorreta, é a antítese da comida light e de chef. Já vi empanar barras de chocolate industrializadas e mergulhar cada uma em gordura borbulhante. Não é por acaso que, apesar de linda, é sempre mostrada da cintura pra cima: tende a comer além da conta. Diz a Danielle Dahoui, ex-Bar d'Hotel, que suas receitas não funcionam. Não importa. Pela subversão, merece meu respeito eterno.


Menu Confiança - Impossível não simpatizar com a figura bonachona de Claude Troisgros. A mistura de francesice atolada e informalidade carioca tem muito charme. Mas não esqueça que se trata de um mestre, da linhagem de Pierre Troisgros. Com uma vantagem: Claude consegue fugir da gastronomia doutrinária com malandragem e ingredientes dos trópicos. Técnico, porém caloroso. Nunca vou me esquecer da cena em que resgatava um pato daquela gordurama coagulada do confit enquanto soltava hmmmmmms e ais. Ou do seu olhar de confusão diante das misturas idiossincráticas de Nao Hara, do Shin Miura. Renato Machado representa seu avesso. Sempre overdressed, com tom professoral, escolhe suas palavras com tanta prudência que parece estar escrevendo seu epitáfio. É uma espécie de Amaury Jr dos vinhos. Quando aparece, dá sono.


Truques de Oliver - Fico um pouco cansado quando assisto Oliver na tevê. Nervosinho, fala muito rápido e com língua presa enquanto se mexe de um lado pro outro. Parece fazer tudo meio atabalhoadamente. É a arma da gastronomia televisiva para combater o ranço das tradições e a fala distanciada dos especialistas. Sua persona parece querer dizer: "sou zovem, tenho atitude, cabelo descontruído, roquenrol, mp3, percebe?". Tenho alguma desconfiança sobre as suas escolhas de combinações e suas receitas. Parece haver algo muito inglês ali, de quem foi criado com fish and chips (eca). Um dos pontos altos foi sua viagem para a Itália, onde seus pratos foram rechaçados em várias casas de mamma. Morri de rir.


Mesa pra Dois - Uma combinação tipo Troisgros/Machado essa de Flávia Quaresma e Alex Atala. Ele, num estúdio que mais parece cenário de THX 1138, representa o rigor técnico e a contemporaneidade. Ela, mochilando pelo Brasil e resto do mundo, faz amigos, prova temperos estranhos, vai a fábricas de farinha de mandioca e desvenda mistérios. Consigo admirar os dois, a despeito da fa-la com pau-sas es-qui-si-tas de Atala, já famosa. É dos programas mais informativos para quem gosta de gastronomia. Aprendi com o chef, por exemplo, várias técnicas de emulsão (em teoria, já que só entro na cozinha para abrir a geladeira). Ou a importância da temperatura de cocção para atingir diferentes efeitos, como o sabor caramelado nas carnes. Flávia me mostrou ingredientes de que nunca tinha ouvido falar. Me disseram que o programa parou de ser gravado. É verdade?

Baratos modestos

Não é novidade que chocolate virou coisa de expert. O bacana é que a moda do chocolate top - sem gordura hidrogenada, leite e com muita concentração de cacau - está ganhando prateleiras mais amigáveis. Agora não é mais preciso penar (e depenar a conta corrente) para comprar um Callebaut, matéria-prima usada por gente como Frederic de Maeyer, do Eça, e Samantha Aquim, do Aquim. Há um tempo, encontrei no Zona Sul um honestíssimo Lindt 70% de cacau, da linha Excellence. Vem numa caixinha mais dura para proteger do contato com as mãos e o derretimento, num formato mais fino. É bem escuro, denso, amargo e sai por menos de R$ 20 (nas Americanas sai por R$ 9,90, mas não sei como um chocolate sobrevive a uma remessa dos Correios). Dias depois, voltei lá e um Lindt da mesma linha de 85% (eu disse 85!) me olhava. Mandei pro bucho. Agora descobri que existe um de 99%!!! Fiquei trêmulo, com a visão embaçada e ainda não consegui localizar a preciosidade. Na boa e velha Kopenhagen, a novidade é a barrinha 70%. Fica bem na boca do caixa, o que torna obrigatório comprar por impulso, como aquelas pilhas de supermercado. É um tijolinho de 35g só, um barato modesto para viciados em reabilitação. Coisa de R$ 2,50.

22 de fevereiro de 2007


Food lounge

Minha matéria de gastronomia do Rio Show desta semana falava de comfort food, esse conceito pra lá de elástico, repetido por aí como uma etiqueta de modernidade. O papel-jornal não comporta meus devaneios, portanto ei-los.

Pra começar, não se trata de nada novo. Nem a expressão propriamente dita, que não foi inventada por um restaurante novaiorquino da moda. Segundo a Wikipedia, consta do dicionário Webster desde 1972. Não há uma definição exata. O conforto em questão depende de quem usa. Explico: é aquela comida com valor afetivo, que pode ser a canja da vovó, o mingau de Cremogema ou o bife à milanesa da empregada de antanho. Funciona mais ou menos como aquele travesseirinho de estimação, que na pirralhice era chamado de Pipoca e sobrevive surrado e com cheiro de mofo. Tem muito marmanjo que não dorme longe do talismã. Outros enchem o peito de nostalgia com um brigadeiro de colher.

Para mim, comfort food tem duas características básicas. Primeiro: tem que ser quentinha. Tudo que conforta, que acalenta, é morno. Tudo que agride, desperta, é gelado. Segundo: precisa ser macia, cremosa, agradável ao tato - a gente se esquece, mas a língua também tem lá o seu. Tem coisa mais comfortable que polenta? (O Gero e Quadrifloglio têm ótimas, aliás). Macia, desce como um veludo. Depois, cobre a pança como uma colcha no frio da Serra. O parente prosaico da polenta, o creme de milho, também faz bonito.

O vatapá é desqualificado na última etapa. Embora maravilhoso, não é morno. O mingau de aveia passa na média. Brigadeiro comido na colher, ainda quentinho na panela, é campeão (e aquela camada durinha grudada na panela? hein? hein?). Aliás, chocolate sempre ganha. Canjica de festa junina (na foto, com purpurina de canela), pra mim, tem gosto de boa infância (o sagu chega junto, mas na geladeira fica desclassificado). Coisas meio papa africana, tudo delícia. Uma vez provei um menu-degustação às cegas - era TUDO breu mesmo, como naqueles restaurantes hypados pelo mundo - da Samantha Aquim que era puro comfort. Comida afetiva e com senso de brincadeira.

Mas essas são minhas concepções. Em teoria, nada que é gastronomicamente elaborado, trendy, assinado, in, pode ser comfort. O Miam Miam, com sua clientela de fashionistas, bibas e figuras da noite, jura que é. Acho não. Mais fácil encontrar alento num risoto bem cremoso do Acqua Pazza ou num café da manhã cheio de regalinhos na Escola do Pão. Depende das lembranças de cada um. Para Proust, bastou uma madeleine para provocar uma torrente de reminiscências.

A Wikipedia ensina: comfort food é basicamente carboidrato. Seja simples, elaborado, açúcar, farinha, arroz ou outros mais. Segundo os cientistas, eles (os carboidratos) causam um efeito parecido com o do ópio no cérebro. Eu, chocólatra assumido, conheço bem esse barato. Tanto que meu vício já chegou aos 85% (de teor de cacau, obviamente).

Os glutões são os top viciados nessa recompensa. Vivem escravos do conforto, numa espécie de gigantesco lounge alimentício cheio de pufes. Se entopem para, nesse excesso, tentar repetir uma experiência de acarinhamento que a comida pode proporcionar. São como crianças crescidas com uma carência do tamanho de suas barrigas. Mas, como toda fartura, a do conforto alimentício pode ser frustrante. Ficar no sofá o dia todo não tem graça nenhuma.