22 de fevereiro de 2007


Food lounge

Minha matéria de gastronomia do Rio Show desta semana falava de comfort food, esse conceito pra lá de elástico, repetido por aí como uma etiqueta de modernidade. O papel-jornal não comporta meus devaneios, portanto ei-los.

Pra começar, não se trata de nada novo. Nem a expressão propriamente dita, que não foi inventada por um restaurante novaiorquino da moda. Segundo a Wikipedia, consta do dicionário Webster desde 1972. Não há uma definição exata. O conforto em questão depende de quem usa. Explico: é aquela comida com valor afetivo, que pode ser a canja da vovó, o mingau de Cremogema ou o bife à milanesa da empregada de antanho. Funciona mais ou menos como aquele travesseirinho de estimação, que na pirralhice era chamado de Pipoca e sobrevive surrado e com cheiro de mofo. Tem muito marmanjo que não dorme longe do talismã. Outros enchem o peito de nostalgia com um brigadeiro de colher.

Para mim, comfort food tem duas características básicas. Primeiro: tem que ser quentinha. Tudo que conforta, que acalenta, é morno. Tudo que agride, desperta, é gelado. Segundo: precisa ser macia, cremosa, agradável ao tato - a gente se esquece, mas a língua também tem lá o seu. Tem coisa mais comfortable que polenta? (O Gero e Quadrifloglio têm ótimas, aliás). Macia, desce como um veludo. Depois, cobre a pança como uma colcha no frio da Serra. O parente prosaico da polenta, o creme de milho, também faz bonito.

O vatapá é desqualificado na última etapa. Embora maravilhoso, não é morno. O mingau de aveia passa na média. Brigadeiro comido na colher, ainda quentinho na panela, é campeão (e aquela camada durinha grudada na panela? hein? hein?). Aliás, chocolate sempre ganha. Canjica de festa junina (na foto, com purpurina de canela), pra mim, tem gosto de boa infância (o sagu chega junto, mas na geladeira fica desclassificado). Coisas meio papa africana, tudo delícia. Uma vez provei um menu-degustação às cegas - era TUDO breu mesmo, como naqueles restaurantes hypados pelo mundo - da Samantha Aquim que era puro comfort. Comida afetiva e com senso de brincadeira.

Mas essas são minhas concepções. Em teoria, nada que é gastronomicamente elaborado, trendy, assinado, in, pode ser comfort. O Miam Miam, com sua clientela de fashionistas, bibas e figuras da noite, jura que é. Acho não. Mais fácil encontrar alento num risoto bem cremoso do Acqua Pazza ou num café da manhã cheio de regalinhos na Escola do Pão. Depende das lembranças de cada um. Para Proust, bastou uma madeleine para provocar uma torrente de reminiscências.

A Wikipedia ensina: comfort food é basicamente carboidrato. Seja simples, elaborado, açúcar, farinha, arroz ou outros mais. Segundo os cientistas, eles (os carboidratos) causam um efeito parecido com o do ópio no cérebro. Eu, chocólatra assumido, conheço bem esse barato. Tanto que meu vício já chegou aos 85% (de teor de cacau, obviamente).

Os glutões são os top viciados nessa recompensa. Vivem escravos do conforto, numa espécie de gigantesco lounge alimentício cheio de pufes. Se entopem para, nesse excesso, tentar repetir uma experiência de acarinhamento que a comida pode proporcionar. São como crianças crescidas com uma carência do tamanho de suas barrigas. Mas, como toda fartura, a do conforto alimentício pode ser frustrante. Ficar no sofá o dia todo não tem graça nenhuma.

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