24 de fevereiro de 2007

Vai uma pinga colada aí?


Uma das coisas mais complicadas para quem escreve sobre gastronomia é a ortografia. Com tantos ingredientes e preparações locais, os termos gastronômicos se espalham por uma infinidade de línguas. Por vezes, sofrem pequenas variações enquanto cruzam fronteiras (jerez em espanhol vira xerez em português e sherry em inglês). Termos gringos ganham grafias aportuguesadas (espaguete no lugar de spaghetti) ou são largamente usados no original, apesar das suas complicações (o francês crème brûlée, assíduo dos cardápios cariocas com todas as grafias imagináveis). Ou ainda são aportuguesados pelo uso mas os dicionários, conservadores, não aceitam as variações.

Pra complicar, palavras em português têm mais de uma grafia: a berinjela, que o crítico gastronômico Josimar Melo prefere escrever com J, também existe com G. Você decide se come uma berinjela ou uma beringela. Isso se o garçom não decidir por você. A Luciana Fróes conta a história da omelete de brie com salada crespa que, no português endiabrado de uma atendente, virou omelete de brito com salada vespa.

E os cardápios bilíngues? Medo. Uma vez, um amigo avistou uma seção de Massas de uma carta que virou Mass em inglês de matuto. Até os tradutores se complicam. Na edição brasileira do ótimo livro "Champanhe", dos americanos Don e Petie Kladstrup, a região da vinícula de Borgonha, na França, (Bourgogne no original) aparecia o tempo todo como Burgundy, com sua grafia em inglês. A muçarela (ou será mozarela? ou mussarela?) é outro caso sério, que já mereceu até post no blog "A palavra é...", escrito por Sérgio Rodrigues no no mínimo. Pirateio o texto abaixo (eu sei que podia linkar, mas é porque o texto tá lá embaixo na rolagem):



Mussarela

O leitor D. Mancini, de Umuarama, no Paraná, traz à mesa uma palavra que sempre evitei abordar aqui na coluna. E evitei por motivos pouco nobres, reconheço: uma mistura de tédio, impaciência, cansaço. Quando se trata de ortografia, esse verniz da língua, talvez a única dimensão dela que é regulada a canetadas pelos legisladores, há “crimes” que, de tão consagrados, é melhor nem comentar. Mas, paciência, vamos à mensagem:

Sempre li e escrevi ‘mussarela’, importante componente de pizzas e outros quitutes. Na TV, a professora de língua portuguesa ensina que o correto é muçarela – com ç. Meu Aurélio não traz nenhuma das formas. Fico grato pelo esclarecimento. Obrigado.

Bom, Mancini, não é só você: todo mundo – mas todo mundo mesmo – escreve “mussarela”. E nenhum dicionário importante reconhece essa grafia. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, também não. Recomenda-se, em geral, “muçarela” ou “mozarela” como forma aportuguesada do italiano mozzarella.

O Google é um instrumento precioso para nos dar uma idéia do descompasso entre “lei” e uso neste caso. O descompasso é descomunal. Quando a busca é feita em páginas do Brasil, “mozarela” traz 925 ocorrências; “muçarela”, 587; e “mussarela”, 197.000!

Nas buscas de páginas em português em geral, mudam um pouco as proporções, mas não a substância: “mozarela”, 11.600; “muçarela”, 1.080; “mussarela”, 228.000.

Como se vê, a preferência dos falantes de português – cultos, incultos, altos, baixos, gordos, magros – por “mussarela” é acachapante. Desobediência civil é isso aí. Sem qualquer traço de populismo, recomendo a todo mundo comer e escrever sua “mussarela” em paz, com a maior calma, esperando que os lexicógrafos caiam em si. É o que eu faço.

Enquanto isso, como ortografia é lei, convém ser hipócrita em casos de vestibular e concursos em geral. Ano passado, um concurso público da prefeitura de Jundiaí (SP) provocou revolta ao lançar numa prova de português a pegadinha da mussarela, derrubando quase todo mundo. É ridículo, claro, mas nunca falta quem acredite que dessa forma avalia o domínio lingüístico dos candidatos.

4 comentários:

Anônimo disse...

No restaurante ao lado do Odeon, havia um menu em "inglês", em que "posta de namorado à brasileira" virou "piece of boyfriend the brazilian". Impagável.

A placa não existe mais, provavelmente o incauto dono foi avisado.

Eduardo Graca disse...

vamos ter espaço neste chocolate todo para pitacos de nova iorque? sucesso, querido! e olha que mando minhas sugestões mesmo, hein! ando cozinhando muito aqui no brooklyn!

Anônimo disse...

Uma delícia este blog, da cobertura ao recheio. Tá de parabéns!

Igor Olszowski disse...

Uma vez vi num tijolinho de jornal escrito Procecco, em vez de Prosecco. Achei piada por causa da modificação verbal que torna-se "ProTcheco"!

;)